Sumario: | O Reino Dividido é um diário e um diário invulgarmente rico, que nos dá, através de uma visão, a meu ver estreita, quase ascética, mas sempre inteligente, o mundo que nos rodeia. Paradoxalmente, detestando João Bigotte Chorão muito do que eu amo, como o socialismo marxista e a liberdade para todos, consigo admirar a beleza, o rigor e por vezes a nobreza da sua escrita, a sua solitária altivez e a dignidade, que a há, na sua constância, na sua recusa do oportunismo. É um homem de extrema direita, antidemocrata, que escreve este livro, alguém que despreza o capitalismo hedonista e não raro boçal (nesse aspecto nos aproximamos), venera a tradição, os valores religiosos ancestrais, a ordem, a família, etc. Está algumas vezes perto, nas suas amizades e afectos intelectuais, de escritores próximos do fascismo e vê-se bem que rejeita aquilo que foi a libertação de Portugal e a segunda primavera da minha vida, o 25 de Abril. E, contudo, até porque os antagonismos não me cegam, consigo ver neste livro, que é literalmente notável, a dignidade de um homem solitário, teimosamente agarrado aos seus princípios e que, no meio de rancores e desprezos, exprime tão bem a amizade, a ternura e o amor da beleza. Acima de tudo, é um escritor, muito culto e plenamente senhor da arte da palavra.
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